Na última semana estudei sobre uma Revisão Sistemática (um compilado de estudos científicos sobre um determinado assunto) a respeito da Trajetória do peso corporal depois que uma pessoa encerra o tratamento com medicamentos ‘anti-obesidade’(como por exemplo, Ozempic), o famoso(e temido) ‘efeito sanfona’
Essa revisão gerou uma série de dados e respostas a respeito do que acontece com nosso metabolismo quando utilizamos esses medicamentos como Ozempic, Mounjaro, Wegovy para redução de peso, incluindo as famosas canetinhas, apontando para um fator em comum: haverá reganho de peso, independente do tipo de medicamento usado e do tempo de tratamento.
Mas não é sobre isso que quero conversar nesse post. Para mim, que acompanho algumas redes sociais a fim de me atualizar com novos estudos (além de algum tempo de ócio rsrs), existe um grande mal na divulgação científica hoje em dia que eu atribuo ao excesso de influenciadores de saúde/fitness que abusam da quantidade de seguidores que possuem para mentir ou omitir dados sobre o pretexto de interpretação de artigos científicos.
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Eu tenho certeza absoluta que você já viu algum blogueiro postando um vídeo onde por alguns segundos aparece um título de um artigo (como esse abaixo) e na continuação do vídeo ele aparentemente interpreta os dados que leu (não leu, prometo) para seu público e, não incomum, vende algum produto no final de sua explicação.

Por conta disso, quero listar 2 FATOS expostos nesse artigo que são apenas MEIAS VERDADES e que, caso mal interpretados, induzem pessoas ao erro, além de uma extrapolação das informações que os blogueiros costumam fazer pra ganhar views. Vamos lá.
1 – Mesmo que você melhore seus hábitos alimentares e pratique atividades físicas de forma regular, ainda assim você terá reganho de peso.
Sim, isso é um fato. Mas como você deve imaginar o fator mais importante aqui é entender o quanto que uma vida mais saudável influencia no reganho do seu peso; e isso é evidenciado no próprio estudo que a própria revisão reconhece que a intensidade, a duração e a consistência dessas intervenções variaram muito entre os estudos, e que em outras análises da literatura programas estruturados de exercício e dieta sustentados por mais de um ano conseguem atenuar bastante o reganho do peso.
O estudo revelou que o subgrupo que manteve intervenções no estilo de vida após a descontinuação da medicação antiobesidade (AOM) mostrou um reganho de peso significativo (WMD = 1,83 kg, 95% CI 1,36 a 2,31, P < 0,001, I2 = 85%). Em contraste, o subgrupo sem intervenção contínua de estilo de vida não apresentou reganho significativo (WMD = 1,1 kg, 95% CI -0,99 a 3,19, P = 0,30, I2 = 34%)
Mas é muito importante que você analise o todo, e que os próprios autores do estudo ressaltam que este resultado “contrasta com os de estudos anteriores que enfatizaram a importância do exercício regular para a manutenção da perda de peso“
Apesar de o estudo ter encontrado reganho de peso nesse subgrupo, os autores também apontam limitações importantes para essa conclusão: havia apenas três estudos em ambos os subgrupos, o que pode ter reduzido o poder estatístico do resultado. E mais, o padrão, a intensidade e a duração específicas da intervenção no estilo de vida nos estudos incluídos não estavam claros, e em alguns casos, as informações eram incompletas. Estas razões, conforme os autores, podem ter interferido nos resultados
Então, podemos chegar a uma conclusão de que apesar do reganho de peso existir em todas os cenários, a tendência é que a melhora em seus hábitos de saúde atenuem o reganho de peso a longo prazo.
2 – Medicamentos relacionados ao GLP-1 e GIP Agonistas (as canetinhas que você conhece, Ozempic, Mounjaro, Wegovy, etc) estão relacionadas ao maior reganho de peso após o fim do tratamento.
Sim, também é um fato pacientes reganham mais peso após o fim do tratamento quando utilizam os medicamentos que estão na boca do povo como Mounjaro, Ozempic, Wegovy em relação a medicamentos mais antigos como orlistat, naltrexona-bupropiona e fentermina-topiramato. Mas aqui o que vale é a interpretação desses dados e quero abrir aspas ao próprio autor dessa revisão.
“Em nossa análise, encontramos consistentemente que a perda de peso inicial esteve associada com maior reganho posterior — cada quilo adicional perdido durante o programa foi associado com reganho mais rápido, entre 0,13 a 0,19 kg por ano, após o término do programa.”
A análise de subgrupo do estudo mostrou que, entre os diferentes tipos de AOMs, o reganho de peso significativo após 12 semanas da descontinuação da droga foi observado apenas em estudos com medicamentos relacionados ao agonista do receptor de peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1 RA)
Entrando um pouco mais no ‘tecniquês’ aqui: Medicamentos relacionados ao GLP-1 (incluindo liraglutida, semaglutida, beinaglutida, exenatida e AMG133) demonstraram reganho de peso significativo (WMD = 1,78 kg, 95% CI 0,76 a 2,80, P = 0,006, I2 = 85%) quando comparados ao grupo controle. Em contraste, as estratégias de manejo de peso não relacionadas ao GLP-1 não mostraram reganho de peso significativo nesse mesmo contexto (WMD = 1,23 kg, 95% CI -0,58 a 3,04, P = 0,18, I2 = 53%)
Traduzindo, o estudo mostra uma conexão interessante: precisamente quem perde mais peso durante o tratamento tem a tendência a recuperar mais rápido depois. Ou seja, o reganho maior não é um defeito exclusivo da droga — é proporcional à magnitude da perda inicial.
Por fim, a revisão também informa que os estudos dessas drogas mais antigas que foram analisados tinham um tamanho amostral muito pequeno e um acompanhamento falho, dificultando assim uma análise mais confiável.
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3 – Inevitavelmente você vai reganhar todo o peso novamente em até 1 ano
Eu consigo ver claramente algum blogueiro iniciando um vídeo com essa manchete (e você?), principalmente porque essa revisão infelizmente não informa dados do peso dos pacientes. Mas esse título não é um fato e a verdade trazida pelo estudo é que peso realmente volta a subir, mas não retorna ao nível inicial. Um ano após o término do tratamento com o Ozempic(apenas um exemplo), ainda havia perda de peso líquido em relação ao ponto de partida.
Por qual motivo escrevi esse artigo?
Pessoal, esse post não entra no mérito dos benefícios / malefícios desses medicamentos(Ozempic, Mounjaro, Wegovy) pois precisaríamos avaliar muitos outros dados metabólicos (pressão arterial, glicemia, perfil lipídico), que tendem a melhorar junto com a perda de peso.
A finalidade desse texto é mostrar ao público como que é fácil manipular dados em função de causa própria mesmo que a contrapartida seja enganar e confundir milhões de usuários da internet. Tomem cuidado!

